Há vários anos atrás escrevi um texto sbre assertividade, salientando o lado expressivo dela, que se passeia entre a passividade e a agressividade. Escrevia eu: “Se delinearmos uma linha com a passividade num extremo e a agressividade no outro, o comportamento assertivo passeia-se por esta linha, por vezes aproxima-se mais de um extremo, por vezes mais do outro, mas nunca chega a atingir nenhum dos polos, nem fica indefinidamente na mesma posição. O que é que justifica a mudança de posição na linha? A situação. A assertividade envolve expressar pensamentos, sentimentos e crenças de maneira directa, clara, honesta e apropriada ao contexto. Ou seja, num contexto tranquilo, sem grandes ameaças à minha identidade, aos meus direitos, o comportamento adequado (assertivo) aproxima-se mais do polo da passividade, numa postura receptiva, de permissão da proximidade do outro, com as defesas em baixo; num contexto hostil, em que os meus direitos são ameaçados e a minha identidade é desrespeitada, o comportamento adequado (igualmente assertivo porque de acordo com a situação) aproxima-se mais do polo da agressividade, em que as minhas defesas estão alerta e coloco limites à proximidade do outro no sentido de me proteger.” Continuo a achar esta clarificação importante, mas gostava de acrescentar também uma dimensão mais reflexiva/introspetiva da assertividade, cuja importância se tem salientado para mim nos últimos anos. Ou seja, para que eu me posso expressar de forma assertiva, preciso primeiro identificar as minhas reacções emocionais e as minhas necessidades por detrás delas. E para mim, este trabalho interno de reconhecimento/awareness faz necessariamente parte da postura assertiva, começa ali de certa forma. Então, enquanto terapeuta, se um dos objetivos com determinado paciente é ajudá-lo a desenvolver a capacidade de se afirmar e ser mais assertivo, eu começo impreterivelmente por ajudá-lo a reconhecer o seu mundo interior, as suas necessidades – o que é que o ativa? A que é que reage? Onde e como é que determinadas situações lhe tocam? Que necessidades fundamentais não estão a ser e precisam ser satisfeitas/cuidadas?… E é este trabalho interno que viabiliza posteriormente o expressar-se assertivamente. A capacidade de se afirmar começa por dentro, por encontrar a própria voz, por aquilo que eu gosto de chamar, inspirada no Carl Rogers, apessoar-se, tornar-se pessoa. E o treino da assertividade (a parte expressiva) de forma precipitada, sem este reconhecimento interno, é arriscado, corre o risco de ser vazio, não ter sustentação, e portanto nem ter capacidade de perdurar no tempo, perder-se facilmente, nem ser verdadeiramente assertivo, porque não se digeriu, não se mastigou internamente o que é que eu identifico precisar e o que é que eu intuo que são também as reacções emocionais e necessidades do outro por detrás do comportamento que me incomodou. A assertividade precisa crescer de dentro para fora e abraçar este contínuo de se ir expressando para fora, voltando sempre ao dentro para se fortalecer e quando necessário se reposicionar.
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Cresci numa família ecologista. As preocupações com o planeta e a sustentabilidade ambiental sempre estiveram muito presentes na minha vida. Ainda assim, com todos os movimentos recentes e o mediatismo do problema das alterações climáticas, dei por mim a questionar quão ecologista consigo ser na realidade, e confesso que a duvidar quão ecologistas conseguem ser muitas das pessoas que se manifestam a pedir mudanças governamentais, por também elas se preocuparem com o tema. A minha inquietação começou com a Greta Thunberg a não andar de avião, por ser um forte poluidor do planeta, e eu dar-me conta que, se por um lado me esforço por ter um estilo de vida minimalista, produzir menos lixo e reutilizar e reciclar ao máximo, e andar essencialmente a pé, de bicicleta ou de transportes públicos na cidade, não me sinto disponível para abdicar de viajar pelo mundo e usar o avião como meio de transporte. Ao mesmo tempo vários miúdos nas escolas começaram a manifestar-se por mudanças governamentais, que eu acho ótimo, mas não consegui deixar de me questionar - quantos destes miúdos são levados de carro para a escola pelos pais, quantos percebem o contributo negativo disso mesmo, e quantos estariam disponíveis para abdicar desse luxo? A sensação que tenho é que a maioria de nós (se não todos), daqueles mais conscientes e sensibilizados para a sustentabilidade ambiental, temos comportamentos sustentáveis e comportamentos insustentáveis, e se por um lado queremos ser o mais sustentáveis possível, temos diferentes perceções do possível, e os nossos interesses pessoais tendem a falar muito alto. Por outro lado, para complicar, temos mensagens de sustentabilidade paradoxais. No que à sustentabilidade do planeta diz respeito, para diminuirmos a pegada ecológica seria conveniente, por exemplo, não termos filhos; do ponto de vista da sustentabilidade do país, convém tê-los. E estes paradoxos são uma boa cama para os nossos mecanismos de dissonância cognitiva, em que acabamos a defender a ideia que nos dá mais jeito, que é mais coerente com os nossos desejos e necessidades pessoais. Estive entretanto num workshop que gostei muito, sobre a interface entre a psicologia e as alterações climáticas, com a Janet Swim, e acalmei um pouco a minha inquietação sobre a possibilidade de fazermos verdadeiras mudanças no mundo. O desafio é enorme, essa perspetiva não mudou, mas, de forma muito simplista, só em jeito de síntese – se tornarmos as alterações climáticas uma realidade mais próxima; se conseguirmos perceber e mostrar a gravidade da situação, mas ao mesmo tempo proporcionar uma sensação de eficácia, através da capacidade de responder com mudanças locais; se estimularmos um espírito de trabalho e comunicação sobre o tema na comunidade, para não nos restringirmos às mudanças individuais, importantes mas de menor alcance; e se identificarmos e tornarmos acessível as mudanças fáceis de fazer no dia-a-dia, com o cuidado de não deixar que essas pequenas mudanças nos façam desresponsabilizar das maiores, mais difíceis mas fundamentais; então sim é possível aspirarmos a um mundo mais sustentável e sentirmos o orgulho de fazer parte dessa mudança. Eu apercebi-me no final do workshop, que se não me sinto disponível para deixar de andar de avião, procuro escolher as minhas viagens de forma mais consciente, procurando pelo menos não abusar deste recurso que é tão valioso para mim. E isso já faz alguma diferença. (Post original de 03/12/2019) Há já quase um ano que iniciei a pós-graduação em Terapia Gestalt. Tem sido um percurso muito enriquecedor e achei que faria sentido partilhar convosco, de uma forma que espero simples, as ideias fundamentais e mais marcantes do que tenho aprendido.
Talvez como pano de fundo esteja a ser transformador para mim experienciar o Contacto e o dar-me conta (Awareness). Como estes dois processos, interligados na realidade, são ferramentas importantíssimas para nós clínicos, que é fundamental desenvolvermos, e importantíssimas de promover nos pacientes, porque é na possibilidade de nos abrirmos ao contacto connosco próprios, com o mundo e com os outros, e nos permitirmos dar conta do que surge neste contacto, que abrimos a porta às possibilidades de aceitação e/ou de transformação possibilitadoras do bem-estar e do crescimento pessoal. A par destes dois processos, as ideias de auto-regulação organísmica e de ajustamento criativo são também muito aconchegantes, e refletem a postura da Gestalt orientada para os recursos e para o potencial humano, no que eu gosto de pensar como um otimismo realista e mobilizador. Estes dois conceitos o que dizem no fundo é que o nosso organismo tem uma capacidade auto-reguladora, e se nos permitirmos simplesmente dar conta, permitindo que o organismo assuma o controlo sem a nossa interferência, permitimos que ele faça os ajustamentos necessários para enquadrar a nova experiência ou a nova realidade. Quanto mais abertos ao novo estivermos, e menos procurarmos interromper a experiência com os nossos padrões de funcionamento rigidificados, mais criativos e menos padronizados serão os ajustamentos que conseguiremos fazer. Tenho descoberto que a teoria da Terapia Gestalt é um mundo muito vasto, está cheia de ideias muito ricas, umas mais simples, outras mais complexas, umas relativamente passíveis de explanar verbalmente, outras que claramente necessitam da compreensão vivida e sentida, mas não querendo tornar este texto denso e complicado, já que a minha intenção é também simplesmente introduzir alguns conceitos que têm sido importantes para mim de descobrir e experienciar, deixo-vos com uma última ideia, a ideia de Polaridades, e a forma integradora como a Gestalt as trabalha. Não é nova a ideia de que temos vários lados, e o que a Terapia Gestalt defende é que somos uma sucessão interminável de polaridades, tendemos a aceitar determinadas características em nós e rejeitar outras, muito de acordo com as nossas experiências de vida. E o que ela propõe, mais do que continuarmos a rigidificarmo-nos num polo rejeitando o outro, é ultrapassarmos a dicotomia, resgatarmos os opostos menos presentes, mais rejeitados, compreendendo que eles também têm coisas úteis a dar-nos e a dizer-nos. Neste resgate, ativamos mais facilmente o processo de ajustamento criativo – aumentamos o nosso auto-conceito com a integração dos opostos, que passam assim a complementares, passam a ser mais um recurso, e isto permite que novas possibilidades surjam. Esta promoção de fluidez organísmica que a Terapia Gestalt procura, num contínuo de experiências às quais nos vamos abrindo e permitindo estar e dar conta, é mesmo profundo e enriquecedor. (Post original de 20/07/2017) (Sobre o trabalho do Paul Wachtel)
O Paul Wachtel é uma grande referência no movimento integrativo em psicoterapia, que integra a abordagem psicodinâmica com a abordagem comportamental. Já tivemos o privilégio de estar com ele algumas vezes e ele transmite sempre uma sensação de acolhimento que transparece também em sessão com os pacientes. Uma das coisas que mais gostamos no Paul Wachtel é o extremo cuidado que ele tem no uso das palavras, preocupado em favorecer que os pacientes possam receber as suas intervenções de um modo transformador e não, pelo contrário, ativador das suas defesas. O Paul Wachtel desenvolveu também o modelo Cyclical Psychodynamics, integrando a perspectiva mais psicanalítica da importância das experiências precoces, com a compreensão que as experiências são cumulativas e que o nosso desenvolvimento resulta de uma dinâmica entre os dois tipos de experiências. A ideia é que cada pessoa tem um conjunto de interações na sua infância que determinam a forma como se relaciona consigo própria e com os outros, e que estes padrões de interação, por sua vez, favorecem que as pessoas que estão à sua volta se comportem com o próprio à semelhança das suas figuras de referência. Desta forma, a pessoa acaba por acumular uma série de experiências negativas, que vão reforçando os seus esquemas desadaptativos. Em termos terapêuticos, o Paul Wachtel propõe ajudar os pacientes a reconhecer estes padrões e o seu contributo neles, e estimula os terapeutas a adoptarem um estilo de comunicação que favoreça o reconhecimento desses padrões e a capacidade de os transformar em interações mais adapatativas. (Post original de 22/05/2016, co-autoria com Andreia Santos) Li recentemente “A loucura da normalidade” de Arno Gruen, que apresenta uma reflexão interessante sobre uma suposta “normalidade” que é na realidade bastante “louca”, e uma suposta “loucura” muitas vezes bem mais saudável que a suposta “normalidade”.
Deixo-vos algumas passagens: “Fugimos, cada vez mais, do nosso deserto interior, do nosso vazio (…) Enquanto a cisão ainda não se efetuou, reagimos ao que fazemos e ao que nos acontece com sensações de dor, desamparo, ou felicidade e curiosidade. Como fazem parte da nossa experiência de vida, essas reações são continuamente integradas na nossa psique e aí continuam a fazer o seu efeito. São elas que nos fornecem as energias criativas, uma vez que determinam a nossa recetividade em tudo que interfere connosco vindo de fora. Mas a criatividade diminui na medida em que menosprezamos tais sensações. Uma vez separados do nosso interior, reagimos apenas com ideias e conceitos obrigatórios e pré-fabricados. Daqui até à transformação em robot já não falta muito. Se a dor, a preocupação e a impotência são negadas por serem consideradas fraquezas, (…) o interior é neutralizado e desligado da engrenagem da vida diária. E, assim, o mundo interior afunda-se cada vez mais no inconsciente. Mas ele continua a ser o motor, mesmo que incógnito, do nosso modo de agir, pensar e sentir. Há, portanto, dois estados mentais diametralmente opostos: Onde o mundo interior é acessível, uma pessoa será capaz de reagir de uma forma criativa aos estímulos externos. Pode mesmo existir como mundo interior inconsciente, desde que seja recuperável. A vida interior é uma entidade muito flexível que tem uma grande capacidade de reação. No tipo contrário é diferente: se o interior sensível estiver bloqueado, os contatos do indivíduo com o mundo exterior deixá-lo-ão inalterado. Ou melhor: nem existirá um verdadeiro contato com o exterior. A medida do isolamento interior daí decorrente está diretamente relacionada com o ódio de si próprio. Este é provocado pela participação ativa na sujeição ao mando de uma “realidade” que exige a negação de sentimentos autónomos. … O recalcamento do desespero e do desequilíbrio interior, ou seja, o afastamento do seu interior, caracteriza aquelas pessoas, das quais supomos estarem plenamente inseridas na realidade. Essa impressão é causada pelo facto da nossa ideia de “realidade” estar feita à medida desse tipo de personalidade, o que leva a que tal ideia seja aparentemente confirmada as vezes que for preciso. Por isso, o poder de decidir sobre os nossos destinos costuma ser entregue justamente a esse tipo de gente, muito embora não esteja à altura de tal responsabilidade. Mas assim acontece também por essas pessoas encarnarem as nossas próprias fantasias de realismo e força. O tema deste livro é, por isso, a índole traiçoeira de uma “saúde” que oculta a falta de um verdadeiro Eu e que, ao mesmo tempo, serve de meio para fugir ao caos interior provocado por esse defeito. A separação do interior impossibilita o desenvolvimento de um Eu autêntico. … São estas as pessoas que quero apresentar como as realmente loucas entre nós. Põem-nos todos em perigo, porque são incapazes de encarar de frente o caos, a raiva e o vazio que os preenchem.” A ideia que ressalta e que é preocupante, é que socialmente estamos a criar e favorecer robots, pessoas com funcionamento psicopático, desligadas da sua experiência interior, em negação do seu mundo interior, o que por sua vez favorece que se tornem insensíveis quer a si próprias quer aos outros. Mais preocupante ainda é de facto este funcionamento desconectado das emoções e vivências internas estar a servir de modelo para a saúde mental – quantas vezes o objetivo verbalizado de quem nos procura é “ajude-me a deixar de sentir, isto é insuportável” ou o objetivo dos familiares e amigos é “ele/ela é demasiado sensível, cure-o/a desta sensibilidade, é intolerável”. Enquanto rotularmos vulnerabilidade, tristeza, medo como fraquezas, e uma postura estoica e inabalável como forças, estamos condenados, vamo-nos destruindo aos poucos, perdendo o potencial humano e criativo para ideais mecanicistas e económicos que funcionam para números e robots mas definham as pessoas. Assustador que seja permitirmo-nos sentir a tristeza, o medo, a dor,…, só nesta reconexão recuperamos o nosso potencial criativo e humano e podemos aspirar a uma verdadeira saúde mental, um verdadeiro bem-estar, e um verdadeiro sentido de humanidade. (Post original 26/11/2015) Tenho estado a ler o livro “Succeding with Difficult Clientes: Applications of Cognitive Appraisal Therapy” de Richard Wessler, Sheenah Hankin e Jonathan Stern, e deparei-me com uma série de questões úteis de enquanto terapeutas nos colocarmos que me fez sentido partilhar convosco.
Deixo-vos o excerto: “All therapists who practice CAT [Cognitive Appraisal Therapy] must understand their own personotypic affects [familiar emotional experiences that provide a sense of security] and emotional setpoints [nonconscious personal rules of living that prescribe how one should feel], especially as they influence interactions with difficult clients. Therapists should ask themselves the following questions to determine dominant personotypic affect and their own emotional setpoints:
Once the therapist has a feel for his or her own personotypic affect and emotional setpoint, he or she should then identify typical justifying cognitions [beliefs produced to justify familiar emotional states] and security-seeking behaviors [actions that influence a person’s social environment so that its responses prompt personotypic affects, restore the emotional setpoint, confirm one’s personal rules, and thus evoke a sense of security], since they may well be played out in the therapy relationship by the therapist. Questions the therapist can ask of him/herself include:
Additionally, the therapist may find it helpful to identify how he or she was parented. This may give him or her insight into his or her personality style, as well as into how he or she might relate to the client. More specifically, does a client with a personality style similar to one’s parent(s) more strongly activate the therapist’s personotypic affect, justifying cognitions, and security-seeking behaviors? How does the therapist’s own personality style, molded in part by how he or she was parented, affect the client? Finally, given all of the above, the therapist should ask him/herself the following additional questions:
Once the therapist has answered these questions, then he or she is ready to work with difficult clients, to see these clients as not particularly difficult to work with, after all, and to do CAT without overpersonalizing what clients say and do, without being ruled by shame, self-pity, and anger, and without being judgmental or blaming toward who clients are and what they do in therapy.” (Post original de 27/10/2015) (sobre o trabalho da Leigh McCullough)
A fobia aos afetos é um conceito introduzido pela Leigh McCullough e pela equipa de trabalho dela, no seguimento de se terem apercebido que muitos dos pacientes que nos aparecem em clínica têm muita dificuldade em aceder aos seus afetos/emoções, e parecem muitas vezes evitá-los num registo semelhante a uma fobia. O que muitas vezes acontece é que, ao longo da nossa socialização, algumas das nossas emoções e necessidades centrais não foram acolhidas ou foram mesmo rejeitadas pelos nossos cuidadores. Esta situação cria tensão e desconforto em situações que reativem estas emoções, e naturalmente desenvolvemos defesas para impedir este contacto, mesmo na ausência de um contexto que o justifique. Em terapia, o que a Leigh McCullough faz é identificar o comportamento defensivo, perceber que emoção ou afeto central é que ele está a impedir de vivenciar, que sensações adversas é que contribuíram para este evitamento, e em que contexto é que este evitamento se desenvolveu. Este trabalho é feito com três objetivos: reestruturar as defesas, reestruturar os afetos, e reestruturar a noção de si próprio e dos outros. À semelhança da Diana Fosha, também a Leigh McCullough se preocupa muito em acompanhar o comportamento não verbal dos pacientes, explicitando o que está a ver, de forma a ajudá-los a tomarem consciência e aprofundarem a experiência de si próprios. Tem também muito o cuidado de ajudar os pacientes a compreender e abrir mão das suas defesas, e aproveita a experiência da relação para lhes proporcionar viverem as suas emoções centrais e experimentarem, no espaço terapêutico, aquilo a que não se conseguem expôr lá fora. A conjugação destes aspetos torna o trabalho da Leigh McCullough uma excelente fonte de aprendizagem e reflexão, que vale a pena conhecer. (Post original de 17/10/2014, co-autoria com a Andreia Santos) Ao longo do meu percurso profissional, tenho tido a oportunidade, e eu diria que o privilégio, de trabalhar com pacientes com dificuldades mais estruturais, em que o seu funcionamento intra e interpessoal, mais rigidificado em padrões desadataptivos, os coloca recorrentemente em ciclos interpessoais improdutivos e insatisfatórios.
Estes pacientes tendem a ser grandes desafios para nós terapeutas, já que muitas vezes despertam em nós as mesmas reacções adversas que despertam nos outros lá fora, e das quais se queixam, sem se aperceberem do seu contributo para elas. Estes pacientes precisam nalguma altura do processo terapêutico perceber como funcionam e como esse funcionamento lhes trás problemas, mas o processo de os ajudar a percebê-lo precisa ser muito cauteloso, precisamos dar-lhes tempo e espaço, e precisamos pelo caminho gerir as nossas próprias frustrações e as nossas próprias reacções mais adversas aos comportamentos que eles nos dirigem. O trabalho terapêutico com estes pacientes é de facto muito exigente, mas pode também ser muito gratificante, se conseguirmos usar as reacções contra-transferenciais que eles nos provocam em benefício do processo terapêutico e não contra ele. A exigência do trabalho com estes pacientes reside em vários factores:
Adicionalmente, no trabalho com estes pacientes é essencial fazermos supervisão com terapeutas mais experientes e que tenham a capacidade de nos conter e nos acompanhar nas nossas próprias dificuldades e frustrações, para que a experiência seja o menos dolorosa e o mais gratificante possível. Estes pacientes precisam imenso de nós e do nosso investimento, que possamos não desistir deles e sim melhorarmos a nossa capacidade de os acompanhar. (Post original de 28/09/2014) (ou o impacto do trabalho do Jeremy Safran em nós)
Felizmente tive o privilégio de, ainda enquanto estudante, me fazer acompanhar de professores e terapeutas que me introduziram desde cedo a referências marcantes da comunidade psicoterapêutica, que influenciaram imensamente o meu crescimento enquanto clínica e o trabalho que ainda hoje faço com os meus pacientes. O Jeremy Safran foi uma destas primeiras referências; com ele aprendi a ter particular atenção à relação terapêutica, reconhecer impasses e rupturas na relação que estejam a dificultar o andamento do processo, e não ter medo de, de uma forma cuidada e respeitosa, partilhar com o paciente aquilo que eu sinto estar a acontecer na relação, no paciente e/ou em mim própria. Joana Fojo Ferreira Ao longo da formação de um psicólogo, uma das expressões mais ouvidas é a relação terapêutica, contudo até conhecer o trabalho de Jeremy Safran, esta expressão para mim, não passava de um conceito vago, difícil de operacionalizar e sobretudo implícito. Através da leitura das suas obras, consegui perceber que a relação terapêutica não é somente algo que está lá em pano de fundo ou implícito, mas um ingrediente essencial e que deve ser explicitado. Se por um lado, esta ideia me permitiu estar mais à vontade em terapia, por implicar mais espontaneidade e uma maior responsividade ao que está a acontecer no momento, por outro implicou desafiar-me como pessoa porque implicou estar em contacto com as minhas próprias emoções. Andreia Santos Aspectos centrais do trabalho do Jeremy Safran O foco principal da investigação e trabalho clínico do Safran é a relação terapêutica, particularmente a aliança terapêutica. O ponto de viragem que o Safran introduziu foi aproveitar a relação terapêutica não só para compreender e conceptualizar a experiência do paciente, mas muito para intervir com o paciente, devolvendo-lhe e clarificando o que está a acontecer no processo ou na relação. Trabalhar a relação terapêutica, para o Safran, não é meramente confrontar o paciente com o seu próprio funcionamento, mas sim o terapeuta implicar-se, ou seja, perceber o que é que é seu e o que é que é do paciente e/ou da relação dos dois, e comunicar isto ao paciente de uma forma cuidadosa e validante. É aqui que entra o conceito de metacomunicação, tornar o implícito explícito, trazer a relação e o processo para o foco do trabalho terapêutico. Com que intuito? Frequentemente a relação terapêutica reflecte o funcionamento interpessoal do paciente lá fora, a forma como reage aos outros e o tipo de reacções que estimula nos outros também. Explicitar estes padrões favorece a tomada de consciência dos mesmos. Por outro lado, explorar e compreender estes padrões no seio de uma relação segura, possibilita ensaiar formas diferentes de se relacionar. Como a relação terapêutica é um encontro entre duas pessoas, com expectativas e realidades interpessoais diferentes, a existência de rupturas/impasses/estranhezas na aliança é praticamente inevitável. O papel do terapeuta não é impedi-las, mas sim repará-las. É neste sentido que o Safran reflecte e esquematiza diferentes tipos de ruptura e formas de intervir nelas no sentido de as resolver. Muitas vezes assustamo-nos com a perspectiva de sair do lugar do especialista para alguém que de facto se está a relacionar com o outro, em que passamos mesmo a falar de nós, com o bom e o mau que isso acarreta. É aqui que o Safran tem o poder de nos tranquilizar, além de suscitar vontade de nos implicarmos mais e mais profundamente nos processos terapêuticos. Nestes dois aspectos ele é absolutamente inspirador. (Post original de 23/05/2014, em co-autoria com a Andreia Santos) (ou o impacto do trabalho da Diana Fosha em mim)
Dos momentos mais marcantes no meu percurso profissional, enquanto aprendiz, foi ter tido o privilégio de estar num Workshop da Diana Fosha em Florença, em 2010, na altura sem saber nada sobre ela, e sair do Workshop a dizer “Isto é o que eu achava que deveria ser a terapia e não sabia que existia”. De facto, depois de um Workshop em que todos (e incluo grandes referências da comunidade psicoterapêutica internacional) chorávamos profundamente emocionados com os vídeos das sessões dela, percebi que encontrei na Diana Fosha aquilo que implicitamente procurava, e que também só descobri que procurava quando o encontrei nela. Como é que é a Diana Fosha em terapia? O que é que é tão emocionante e profundamente tocante no trabalho dela? Não é fácil explicitá-lo em palavras, é algo que se vive e que se sente, mais do que se explica. E de facto viver e sentir, experienciar, é uma das pedras basilares, se não a basilar por excelência, do trabalho dela. Todo o trabalho terapêutico que faz com os pacientes é ancorado no facilitar que acedam e experienciem as emoções e os afectos, agradáveis e desagradáveis, que constituem a sua vivência psicológica mais autêntica e profunda. E ela está sempre com eles a ajudá-los a aprofundar a experiência, progressivamente mais e mais em contacto consigo mesmos. Este experienciar e explorar as profundezas do mundo psicológico dos pacientes, é sustentado numa relação de segurança com o terapeuta, alguém profundamente sintonizado com o paciente, atento, dedicado, verdadeiramente presente. A presença e disponibilidade da Diana Fosha para os seus pacientes é do mais bonito que já vi, verdadeiramente impressionante, e que nos toca profundamente também a nós, só de ver. Esta ligação profunda, de um respeito e carinho imensos, diferente do que o paciente está habituado a receber lá fora, é o que lhe permite baixar as defesas e permitir-se experienciar e partilhar o mais íntimo e mais autêntico de si. E a sensação de acompanhamento (em contraste com a solidão habitual) que o respeito e presença validante do terapeuta imprimem, permitem-lhe transformar ainda a imagem de si e a vivência de si, criando um potencial reparador e transformador fenomenal. A alternância entre experienciar por um lado, e reflectir sobre a experiência por outro, para a aprofundar ainda mais e dar-lhe um sentido mais coerente e apaziguador, no seio de uma ligação profunda e securizante com o terapeuta, é o que torna o processo terapêutico imensamente rico e transformador, e faz do trabalho da Diana Fosha algo imperdível e absolutamente inspirador. (Post original de 12/03/2014) |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
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