Mais importante do que aquilo que tem é aquilo que é António Branco Vasco Habitualmente, num registo médico mais tradicional, quando temos um problema de saúde procuramos um diagnóstico que nos ajude a identificar o problema e nos oriente para o tratamento adequado. O problema, apesar de afectar o paciente, é visto como exterior a ele e o tratamento é dirigido ao problema e não à pessoa.
Num registo psicológico as coisas são um bocadinho diferentes, não deixa de fazer sentido procurar “diagnósticos”, mas são tendencialmente diferentes dos a que estamos habituados num registo médico; num registo psicológico muitas vezes parte do problema está relacionado com a nossa forma de ser e estar na vida, estamos portanto muito mais implicados nele, não é simplesmente algo exterior a nós do qual facilmente e recorrendo a meios exteriores nos possamos livrar, e consequentemente a intervenção é dirigida menos ao problema mais visível (os sintomas) e mais à pessoa que o manifesta. Enquanto muitas vezes num registo médico a ênfase é dada à identificação dos sintomas e o tratamento é a eles dirigido, apesar de progressivamente se contemplarem hábitos e estilos de vida do paciente, num registo psicológico, mais importante do que o sintoma que a pessoa tem é aquilo que a pessoa é, ou seja, o sintoma não é o problema mas o reflexo do problema e é na pessoa em si que podemos identificar tanto o problema como a solução. Num diagnóstico psicológico, além da identificação dos sintomas, entram então factores como o modo de funcionamento da pessoa, a sua história de vida e de desenvolvimento com realce para memórias marcantes ou por intensidade ou por frequência, e situações presentes que possam ter despoletado o problema ou tê-lo intensificado. Habituados que estamos ao registo médico mais tradicional, é frequentemente difícil sair dele e, por um lado, reconhecer a necessidade de identificar e trabalhar os factores psicológicos que estão a intervir na manifestação do problema e, por outro, reconhecer progressos, que muitas vezes começam a surgir antes do sintoma que o trouxe a terapia desaparecer. Dada a preponderância da pessoa sobre o sintoma, o trabalho psicoterapêutico passa muito por reconhecer de que forma é que a maneira como vivo a minha vida, fruto do que a minha história incutiu ou determinou, e influenciada pelas minhas circunstâncias actuais de vida, contribuiu para o surgimento ou exacerbação da sintomatologia. Esta consciência permite progressivamente abrir mão de velhos hábitos, questionar “heranças psicológicas” que nos foram incutidas como necessárias mas que nos apercebemos que no presente de nada nos servem e contribuem mais para o problema do que para a solução, e reconhecer necessidades fundamentais que precisamos procurar satisfazer para nos sentirmos bem connosco e com a nossa vida. Pode parecer estranho, mas são estas conquistas que permitem de facto que no final da linha os sintomas que apresentávamos já não tenham problemas para sinalizar e que gradualmente, quase sem nos darmos conta, deixem de estar presentes ou ter um impacto tão forte nas nossas vidas. No que a problemas de foro psicológico diz respeito, não procure a solução no sintoma, procure-a em si. Cuide de si!
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Go to the heart of danger for there you will find safety [Vai ao coração/âmago do perigo, lá encontrarás segurança] Provérbio Chinês A experiência de desenvolver um problema psicológico como ataques de pânico, ansiedade generalizada, depressão,… é frequentemente avassaladora. Por um lado há a sensação de perda de controlo de si, por outro lado os sintomas parecem ser desprovidos de sentido e há uma incompreensão muito grande de si próprio, e muitas vezes vem a vergonha e a culpa, vergonha da vulnerabilidade que os sintomas revelam e culpa por não ter sido capaz de evitar estas manifestações e por continuar sem as perceber.
Se prolongado no tempo, especialmente para problemas do foro da ansiedade, além da exacerbação dos sintomas iniciais, tendem a surgir novos, mais obsessivos e compulsivos, mais distantes da raiz do problema, e a incompreensão de si próprio é cada vez maior. Muitas vezes não há de facto um sentido directo e claro para a sintomatologia, o que ela faz é sinalizar uma vulnerabilidade, como um despertador com alarme em crescendo, que se não é desligado ao início vai tocando com um volume cada vez mais alto até ser ouvido e atendido. A mensagem dos sintomas é “go to the heart of danger, [vai ao âmago do perigo], não fujas, olha, procura, percebe; para te libertares”. O despertador/sintoma é só um sinalizador que vai tocando mais forte à medida que a insegurança aumenta, que o medo aumenta, sempre a pedir “não fujas, olha, fica”. Tomarmos consciência das nossas vulnerabilidades, dos pontos em que somos particularmente sensíveis, assusta, mexe com o nosso medo do descontrolo, da falta de poder sobre nós próprios, sem percebermos que tanto menos poder temos quanto mais ignoramos/negamos as nossas vulnerabilidades; quanto mais eu as conheço, compreendo e aceito, mais controlo tenho na realidade, porque mais sei com o que posso contar e posso mobilizar recursos para reparar ou apaziguar o problema de base, a essência. Este é o trabalho que procuramos fazer em psicoterapia, traduzir sintomas (sinais, despertadores) em vulnerabilidades, em necessidades por satisfazer, em assuntos inacabados a processar e resolver, porque por doloroso que seja tomar consciência de aspectos sensíveis de nós, da nossa história, e percebermos as implicações que eles têm na nossa vida, no nosso funcionamento, é um trabalho fulcral, é o desligar o despertador e levantar da cama, é o retomar as rédeas, o controlo, é mobilizar para resolver. |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
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