Para nos inscrevermos numa iniciativa de desenvolvimento pessoal, seja um grupo seja um workshop, queremos antes de mais perceber o que isso é.
Idealmente, enquanto alguém que quer lançar iniciativas deste género, eu deveria ser capaz de apresentar de forma sucinta e motivadora, em jeito de pitch, o que é que é isto de desenvolvimento pessoal e porque é que vale a pena. Mas quando tento, sai uma coisa complexa, muito pouco clara, que vai não vai deixa as pessoas mais assustadas do que motivadas. Há forças estranhas em jogo nesta minha dificuldade, imediatamente me surge que eu sou melhor a desenvolver ideias e elaborar sobre elas do que em resumi-las, mas depois percebo que não é bem verdade, já fui congratulada ao longo da vida pela minha capacidade de síntese e outras vezes criticada por esta mesma síntese. Pelo que talvez não seja por aqui. Depois surge-me a justificação de que desenvolvimento pessoal não se explica, experiencia-se. E se por um lado tendo a achar que é possível e até importante pôr palavras nas nossas experiências, faz-me imenso sentido ao mesmo tempo que desenvolvimento pessoal não se explique propriamente. Todas as minhas experiências de desenvolvimento pessoal foram vividas, e mesmo os momentos de reflexão e introspeção foram saboreados enquanto experiência, acompanhados de sensações no corpo que transformaram a coisa em muito mais do que um produto mental. É engraçado que esta ideia de sentir no corpo mais do que meramente pensar, que me é muito quentinha e motivadora, é o que assusta várias pessoas, talvez como se temessem ser engolidas pelo seu corpo, ou perderem o controlo, talvez seja mais por aqui. E aqui penso “não, mas eu nisto posso esclarecê-las e tranquilizá-las, já que eu própria tive imenso medo de perder o controlo ao juntar um corpo que sente e se expressa à minha hiper-investida cabeça”. É que isto de nos permitirmos sentir realmente assusta, tudo o que é novo e não familiar assusta. Mas também é verdade que quando reconhecemos que temos um corpo ligado à cabeça, ou melhor, que a própria cabeça faz parte de um corpo, o susto transforma-se em potencialidade. Viver com uma cabeça hiper-investida é como andar ao pé-coxinho para proteger uma segunda perna que em tempos se partiu. Algures no tempo foi preciso protegê-la para sarar, e temos medo de nos magoarmos e piorarmos se a voltarmos a usar, mas a certa altura vale a pena com jeitinho e gradualmente re-integrá-la como membro ativo do corpo, porque podemos viver eternamente ao pé-coxinho mas aumentamos muito os nossos graus de liberdade se possibilitarmos que as duas se articulem e damos suporte vitalizante à primeira perna, que sozinha se pesa e se desgasta muito mais. Corpo e cabeça é isto mesmo, o corpo assusta-nos porque sente muito as coisas, deixa-nos mais em contacto com a nossa vulnerabilidade, temos medo de nos magoar se o pusermos mais em acção; o que nos esquecemos de contemplar é que aproveitá-lo mais aumenta o leque de possibilidades no mundo e ajuda a cabeça a exercer melhor a sua função, é muito mais enriquecedor. É isto que se ganha com desenvolvimento pessoal, reconhecimento de todas as nossas partes e melhor uso de cada uma delas e da articulação entre todas. Já vai longo, eu sei, mas aos que ficaram suficientemente motivados para chegar aqui, deixem-me acrescentar que creio que a minha dificuldade em explicar desenvolvimento pessoal prende-se também com o facto de ser um processo, e não uma conquista estática, e muito idiossincrático, o ritmo e o que se desenvolve é diferente para cada um. Experiências de desenvolvimento pessoal abrem portas, cada um vive e descobre coisas diferentes em cada uma e explora as portas seguintes a partir da experiência com as anteriores. A troca e a partilha em grupo por sua vez abre mais portas e convida a mais possibilidades de as abrir e explorar. O factor grupo também tende a assustar mas novamente é a mesma ideia, o que começa por assustar acaba por facilitar. Portanto, o que é que é desenvolvimento pessoal? É auto-descoberta, reconhecimento de como funcionamos, o que são as nossas potencialidades e os nossos desafios. É experimentarmo-nos em contacto com os outros, perceber o que gostamos e não gostamos, o que nos é mais fácil e mais difícil. É olharmos e compreendermos o que é antigo em nós e disponibilizarmo-nos para experimentar o que pode ser novo ou vivido diferente. É para todos? Um lado meu gostava que fosse, há potencial enriquecedor e transformador para todos, mas nem todos nos identificamos com o mesmo registo, nem todos gostamos do mesmo tipo de experiências, ou nem todos estamos num período das nossas vidas em que faça sentido. Para os que se entusiasmam com este tipo de desafios, no fim vão encontrar muitas definições de desenvolvimento pessoal que vos vão fazer muito sentido e ser muito fáceis de compreender, depois de se darem a oportunidade de o viver.
0 Comments
Tenho-me apercebido como compramos rótulos negativos sobre nos próprios, traços que nos apontam de forma muitas vezes abusiva e injusta, que acabamos por interiorizar e auto-definirmo-nos com eles. E esta parte da interiorização é a mais cruel para mim, e explico porquê: A partir do momento em que acreditamos no que nos vendem e passamos a definir-nos com esse rótulo, passamos também a apresentar-nos ao mundo muito de acordo com ele. Naturalmente que as pessoas reagem a nós de acordo com esta postura que adoptámos, e nós vamos reforçando a ideia que isto nos define mesmo, já que toda a gente no-lo reconhece e no-lo aponta. Vejamos um exemplo: Imaginemos alguém cujos cuidadores rotularam de teimoso, de tal forma que esta ideia foi-se enraizando na pessoa, e ela própria já se apresenta como tal, vê reflexos da sua teimosia em tudo, e torna-se menos capaz de distinguir teimosia (que tem uma conotação tendencialmente negativa) de por exemplo determinação, dedicação, investimento, persistência (com conotações bem mais positivas). Como esta pessoa se reconhece como teimosa, facilmente vai referir esta sua característica numa qualquer conversa ou apresentação, em vez de características que talvez sejam mais fiéis à pessoa em que entretanto se tornou, talvez de facto determinada, investida, persistente. E se é a teimosia que refere, é como teimosa que a vão ver, não como determinada e persistente. É duplamente cruel: por um lado nós próprios vemo-nos defeituosos onde talvez existam qualidades, e influenciamos os outros a verem-nos pelos mesmos olhos negativos. O antídoto que sugiro é procurar definir com clareza o que é que faz efetivamente de cada um de nós teimoso (por exemplo), num espectro contínuo entre dimensões mais positivas e mais negativas da teimosia, e por outro lado analisar bem as situações, perceber quando se está a ser teimoso de facto, ou quando há adjetivos que qualificariam muito melhor a nossa atitude naquele momento, pela positiva ou pela negativa. A ideia é aumentarmos o nosso vocabulário e sermos mais precisos nas nossas auto-avaliações, para podermos alterar a nossa postura quando nos apontam teimosia (por exemplo) com razão, mas também nos defendermos e reconhecermos as nossas qualidades e a nossa flexibilidade quando abusam na forma negativa e cristalizada como nos definem. |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
Ou receba cada novo post no seu e-mail introduzindo o seu endereço de e-mail abaixo
|