Esta é uma questão antiga, sobre se quando em trabalho terapêutico o foco primordial deve ser o problema que a pessoa traz ou a forma como a pessoa funciona.
Eventualmente a questão, colocada desta forma, deixou de fazer sentido, talvez nenhuma das opções seja adequada, provavelmente é importante equilibrar o foco entre os problemas e a pessoa mas não descurar nenhum. Confesso que desde cedo privilegiei o trabalho sobre as pessoas mais do que sobre os problemas que elas trazem, e confesso também que tendencialmente estou satisfeita com esta escolha. Muitas foram as situações em que a sintomatologia inicial desapareceu ou foi diminuindo espontaneamente a partir do momento em que passámos a dar atenção e cuidar das necessidades psicológicas por detrás, mais ligadas à pessoa em si e ao seu funcionamento. No entanto, e especialmente perante pacientes mais complexos e com sintomatologia mais oscilante, fui sentindo necessidade de adoptar nalguns momentos um foco mais directivo, focado muitas vezes nos problemas, no sentido de dar estrutura, diminuir a escalada caótica e potencialmente destrutiva, e favorecer a reorganização. Novamente fica patente a importância de nos ajustarmos às necessidades dos pacientes, mais do que esperarmos inflexivelmente que eles se adaptem aos nossos modelos de trabalho, e irmos ao encontro dos focos terapêuticos mais necessários e produtivos a cada momento. (Post original de 10/12/2013)
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Por vezes surgem-nos questões/dificuldades com um paciente e não temos possibilidade de imediatamente supervisionar o caso.
Ainda assim, ele ocupa-nos e é importante podermos pensar um bocadinho sobre ele e fazer não super mas autovisão. Tenho vindo a pensar que questões potencialmente desbloqueadoras é que podemos fazer a nós próprios, e decidi deixar algumas que tendem a ser úteis para mim. Geralmente procuro questionar-me:
Estas questões não cobrem certamente todas as necessidades e não têm que seguir nenhuma ordem particular, muitas vezes elas retroalimentam-se e sentimos necessidade de voltar a uma questão que nos pusemos anteriormente para lhe responder agora com mais entendimento. Acima de tudo o que procuro com estas questões é desmontar 3 perspectivas de análise para as rearticular de uma forma mais compreensiva e que favoreça o processo terapêutico:
Estas questões tendem a ajudar-me a desbloquear, a compreender impasses e dificuldades, e inclusivamente levar questões mais claras para supervisão. E a si, que questões tendem a ajudá-lo a sair de impasses e ultrapassar dificuldades com os seus pacientes? (Post original de 02/10/2013) Na sequência da leitura do artigo “Do Therapists Cry in Therapy? The Role of Experience and Other Factors in Therapists’ Tears” de Blume-Marcovici, Stolberg e Khademi (2013), cujo tema julgo sensível, gostava de partilhar convosco algumas das minhas ideias, semelhantes na realidade às do artigo, e contar com as vossas em comentário.
Começo por excertos do artigo que vão muito ao encontro da minha experiência de lágrimas (ou expressão lacrimejante) durante o processo com os meus pacientes. “Respondents in the present study were presented with a list of emotions and asked to check which they felt during their most recent crying episode (they could check more than one). The most common emotion reported was sadness (75%), the second most common emotional state was feeling emotionally “touched” (63%), and the third was warmth (33%). Furthermore, the fifth most common emotion was gratitude (15%), and the seventh was joy (12%). Thus, of the top three most common emotional experiences, two were generally “positive” affect states, and one was “negative” (i.e., sadness). Of the top seven, four were “positive,” and three were “negative.” This is in contrast to the top three emotions felt by the client, as speculated by the therapist: sadness (59%), grief/loss (38%), and powerlessness (34%), all “negative” emotions. This suggests that TCIT [therapist’s crying in therapy] may occur in situations in which the therapist experiences a more positive affective valence than one might intuitively assume. Indeed, in 73.7% of most recent crying episodes, respondents checked at least one positive emotion. In 54.6%, at least one positive and one negative emotion were listed, indicating an often “mixed” emotional valence for the therapist.” “(…)the affective tone of therapy sessions— or moments—in which TCIT occurs [seems to be] more positive or emotionally “mixed” than situations in which individuals tend to cry in daily life. This is meaningful, as it challenges a potential view of TCIT as occurring due to the therapist being overwhelmed by intense negative emotions that arise in therapy, and instead signals a moment of potentially positive emotional connection, even if amid painful negative affect.” Escolhi estes excertos por de facto ter a sensação que as lágrimas, ou a expressão do impacto emocional que as partilhas dos pacientes têm em nós, não têm que simbolizar que não estamos a saber lidar com a dor deles nem têm necessariamente que ter um impacto negativo neles. Creio, contudo, que é importante, enquanto terapeutas, sabermos fazer esta distinção e percebemos quando é que a expressão da nossa emoção não prejudica o processo e é inclusivamente potencialmente produtiva, e quando é que sinaliza que algo se passa connosco e não estamos a conseguir estar com o paciente no seu sofrimento. A minha reflexão vai para nos questionarmos qual é a causa, ou a causa maioritária, da nossa emoção. Eu diria que a expressão de emoções intensas fruto de uma sensação de ligação ao paciente, de emoção por ele estar a conseguir partilhar connosco algo tão importante, ou por ele estar a ser tão genuíno na partilha de algo tão tocante, tenderá provavelmente a ser produtivo para o processo e sentido como validação e acolhimento pelo paciente; julgo também que a expressão destas emoções, ainda que na forma de lágrimas, tende a ser organizada e tranquila, o sentimento que a partilha do paciente gera no terapeuta não é angústia desconfortante, mas ligação, empatia, reconhecimento, e admiração até. Quando a expressão de emoções intensas tem mais a ver com bloqueios nossos, áreas sensíveis nossas onde o material do paciente toca, especialmente quando as nossas feridas são recentes ou foram recentemente reactivadas, aí é potencialmente prejudicial para o paciente, porque deixamos de conseguir estar a trabalhar com ele e no sentido de lhe dar espaço e acolhimento para trazer as suas coisas e se sentir amparado nelas, para sentir que tem que cuidar do terapeuta ou reforçar a sensação que os seus problemas são demasiado pesados e ninguém os consegue aguentar. Neste cenário, julgo que a expressão destas emoções tende a ser desorganizada e intranquila, o terapeuta fica angustiado com o material que o paciente traz e bloqueado na sua capacidade de se desfocar de si e cuidar do paciente. A minha sensação (ou a minha esperança) é que a maioria das lágrimas dos terapeutas em terapia são lágrimas de empatia e ligação, e aí temos um momento único e potencialmente reparador do paciente se sentir visto, acolhido, respeitado e reconhecido na sua dor. Quando perante o segundo cenário, creio (ou quero acreditar) que a maioria dos terapeutas conseguirá nalgum momento reconhecer que alguma coisa não está bem em si, evitar uma partilha desastrosa com o paciente, e procurar cuidar de si fora do processo do paciente. Quando perante o primeiro cenário, independentemente de ser na forma de lágrimas ou através do olhar, ou do toque, ou do sorriso, ou de uma partilha verbal do que estamos a sentir; para onde este tema me leva é cada vez mais para o reforço dos princípios humanistas de nos darmos permissão para estarmos genuinamente e integralmente com os pacientes, conscientes e aceitantes de nós mesmos e do impacto que eles têm em nós. A nossa autenticidade pode fazer diferença. (Post original de 23/06/2013) Num vasto leque de abordagens terapêuticas fala-se em perturbação da personalidade borderline, enquanto na abordagem psicanalítica se fala em estrutura borderline (entre a neurose e a psicose).
Ainda que esteja mais familiarizada com a visão de perturbação da personalidade borderline, na minha prática clínica tenho-me deparado com pacientes com características borderline por vezes muito claras, mas que apresentam ao mesmo tempo formas de estar e de se relacionar variadas, que trazem desafios terapêuticos muito diferentes mesmo que identificados com a mesma perturbação. Ainda que possamos interpretá-los como casos de comorbilidade, a visão dinâmica de Estrutura Borderline, mais do que Perturbação da Personalidade, parece enquadrar-se melhor na minha experiência de pacientes borderline. Deixo à vossa consideração excertos do “Diagnóstico Psicanalítico” da Nancy McWilliams e aguardo ansiosamente as vossas considerações sobre a questão, que podem deixar nos comentários. “(…) em meados do século XX, começaram a aparecer outras ideias sobre a organização da personalidade que sugeriam um meio-termo entre neurose e psicose. (…) Muitos analistas começaram a queixar-se em relação a clientes que pareciam apresentar perturbação de carácter, mas de uma forma caótica peculiar. Na medida em que raramente ou nunca referiam alucinações ou delírios, não podiam ser considerados claramente psicóticos, mas também lhes faltava a estabilidade e a preditibilidade dos pacientes de nível neurótico, e pareciam ser infelizes numa escala muito maior e menos compreensível do que os neuróticos. (…) eram demasiadamente sãos para serem considerados loucos e demasiadamente loucos para serem considerados sãos.” “Esta designação [Borderline] representa um nível e não um tipo de patologia. Pode-se ser um histérico borderline, um obsessivo-compulsivo borderline, uma personalidade narcísica borderline, e assim por diante; pode-se estar organizado narcisicamente a um nível neurótico, borderline ou psicótico. A colocação do “borderline” a par de designações de personalidade como histriónica, obsessivo-compulsiva e narcísica, como se fosse comparável às mesmas, mistura maçãs e laranjas, ou mais propriamente, mistura uma designação mais específica de “maçãs” com uma outra mais geral como “fruta”.” O que diz a vossa experiência? (Post original de 09/05/2013) A pandemia do covid-19 implicou ajustes e adaptações nas vidas de todos nós. Há os que tiveram relativa facilidade neste ajuste, e até fizeram reformulações interessantes e desejadas nas suas vidas, e há os que tiveram mais dificuldade, para quem a situação foi mais desafiante e dura. Passados dois meses, há potencialmente novas mudanças, novas adaptações, que o cenário atual, ainda que gradualmente, impõe fazer – os que gostaram ou beneficiaram da experiência de confinamento, podem ter dificuldade agora no retorno ao registo anterior, e os que tiveram dificuldade com o confinamento, podem debater-se com a lentidão necessária do retorno. Independentemente de para que lado pendemos mais, darmo-nos tempo e espaço para ir fazendo o balanço desta experiência é importante para a integrarmos na nossa história, na nossa identidade, de uma forma o mais tranquila e saudável possível:
Enfim, há muito para refletir e integrar, e associado a um contexto de incerteza do que vai acontecer daqui para a frente – o retorno é definitivo ou vamos precisar voltar ao confinamento? Quando é que nos poderemos sentir mais seguros relativamente aos riscos de contágio? Quanto é que as dificuldades económicas decorrentes da pandemia me vão afetar? Quando é que me posso voltar a sentir um cidadão do mundo e desfrutar de uma mobilidade relativamente livre por ele?… É tempo de nos darmos espaço para ir formulando as nossas perguntas e encontrando as nossas respostas. Salvo situações mais radicais de fundamentalismos preocupantes, não há reações certas e erradas, nem opiniões certas e erradas, vamo-nos debruçando sobre elas à medida que as vamos sentindo presentes em nós, e vamo-nos construindo ou reconstruindo com elas. Em jeito de desafio numa viagem de carro, pedi ao meu companheiro sugestões para um novo texto aqui para o blog. A primeiro sugestão provocadora foi escrever como a psicoterapia não interessa a ninguém, seguida da qual sugeriu a reformulação de como a psicoterapia interessa a todos.
Ora, confesso que tenho tendencialmente uma postura de que a psicoterapia não interessa a toda a gente, no sentido de que nem todos se identificam com o registo psicoterapêutico, e um ponto muito importante num processo terapêutico é a motivação do paciente e confiança que o processo vai ser útil. Mas a ideia da psicoterapia interessar a todos não deixa de me fazer sentido segundo uma perspetiva diferente, a perspetiva de ser importante e interessar a todos o investimento na nossa saúde mental e os benefícios também de uma abordagem preventiva, em que se investe no nosso desenvolvimento e transformação pessoal através do auto-conhecimento e da exploração de formas alternativas saudáveis de estar e viver a vida. E de certa forma estas perspetivas são perfeitamente conciliáveis, a psicoterapia tem potencial para ser útil a toda a gente, desde que haja um interesse e uma disponibilidade em investir nela. Como é que a psicoterapia favorece a saúde mental? Quando a “doença mental” já está instalada, ou seja, quando há um problema psicológico identificado que justifica a procura de ajuda, a psicoterapia procura identificar os fatores que estão a contribuir para o problema, a dinâmica destes fatores que mantém o funcionamento problemático, o que é que está a impedir um funcionamento mais saudável, e a partir daqui explora e promove a experimentação de alternativas de funcionamento mais saudáveis, procurando identificar e mobilizar recursos existentes no campo/no sistema, internos e externos, que até ao momento não estavam acessíveis. Quando não há um problema psicológico claro, mas há um desejo de desenvolvimento e enriquecimento pessoal, a terapia pode ser útil, no sentido de favorecer o auto-conhecimento – o reconhecimento dos nossos padrões de funcionamento, a compreensão de como é que fazemos as escolhas que fazemos, o que é que nos move, como é que nos relacionamos com os outros e connosco mesmos. E esta forma de estar na vida mais consciente aumenta os nossos graus de liberdade de ação, permite-nos fazer escolhas mais conscientes e com maior potencial de trazer resultados benéficos à nossa vida, ajuda-nos a discriminar melhor o essencial do acessório, a escolher melhor as nossas lutas e as nossas “armas”, e isto tem um impacto potencialmente transformador nas nossas vidas, nas nossas relações e no mundo, já que cidadãos mais conscientes contribuem para um mundo melhor. A recente experiência da maternidade deixou-me a pensar sobre os ingredientes necessários a uma boa adaptação a grandes mudanças de vida, mesmo quando são positivas e desejadas. Tenho que confessar que nunca tinha vivido nada tão desafiante até à data, e creio que tenho hoje uma compreensão diferente sobre como pode ser duro adaptarmo-nos a novas situações de vida, e um respeito maior pelas pessoas que abraçam grandes desafios e procuram gerir as dificuldades inerentes ao processo de adaptação. Quando as mudanças são à partida positivas e desejadas, que são aquelas sobre as quais me debruço neste texto, uma dificuldade inicial frequente são as nossas próprias expectativas que vai ser tudo maravilhoso porque é um desafio que queremos muito abraçar, e igualmente as expectativas dos que nos rodeiam, que também tendem a imaginar um cenário idílico, e até eventualmente a invejá-lo, e portanto a desconsiderar as dificuldades associadas. Um primeiro ingrediente portanto que eu recomendo para uma boa adaptação a grandes mudanças é regular as nossas expectativas e as dos que nos são próximos, procurando reconhecer os desafios e as dificuldades que a mudança vai trazer. Adicionalmente, e também relacionado com expectativas, face a estas mudanças positivas e desejadas, imaginamo-nos super capazes de lidar com tudo sozinhos, super autónomos e competentes, e muitas vezes desvalorizamos a importância e necessidade absoluta de pedir e acolher todo a ajuda e suporte que nos possam dar. É tudo tão mais suportável e descomplicado quando é partilhado, quando vivemos a experiência acompanhados e não sozinhos. Portanto o segundo ingrediente que recomendo é rodearmo-nos de pessoas que nos possam dar diferentes tipos de apoio, tanto físico como emocional, e percebermos que isso não põe em causa a nossa capacidade, pelo contrário, ajuda-nos a desenvolver estas novas competências (que precisamente por serem novas não poderiam estar já adquiridas) e mobilizar recursos que sozinhos poderiam nem nos ocorrer. Depois a certa altura há o risco de nos sentirmos tão submersos nas dificuldades, que esquecemos as coisas boas, ou o propósito ou o objetivo maior; pelo que o terceiro ingrediente que recomendo é lembrarmo-nos e valorizarmos as coisas boas inerentes à mudança, porque é difícil sim, mas consegue ser tão bom também. Um quarto ingrediente, e de extrema importância, é irmos lendo o nosso estado interior, as necessidades que precisamos satisfazer; e as pessoas à nossa volta também podem ser bons aliados a ajudarem-nos a perceber o que estamos a precisar. Porque é super importante podermos ir-nos ajustando ao que vamos precisando momento-a-momento, que passará algumas vezes por experimentar coisas novas, e outras vezes por reintroduzir gradualmente rotinas ou hábitos anteriores que eram importantes para nós. Por último, um ingrediente que considero também essencial, é perceber que as mudanças, como a própria vida, são processos dinâmicos, sem fim, vão sempre haver oscilações entre momentos de imensa satisfação e sensação de auto-realização, e momentos de grandes dúvidas, aflições e até desespero. Se já o esperarmos, vai ser mais fácil lidar com os momentos maus e não deixarmos que os momentos bons se deixem afetar demasiado por eles. Portanto, invista nas mudanças que quer para a sua vida e abrace os desafios que lhe são inerentes, não esquecendo nem de valorizar o bom nem de cuidar do mau. No seguimento dos incêndios de Outubro do ano passado, escrevi um pequeno texto no facebook sobre o luto que me pediram para estender. Na altura escrevi: “Os incêndios destes dias deixaram novamente o país de luto. Há uma corrente geral de indignação, de revolta, e também de solidariedade. E o processo de luto comporta de facto todos estes elementos, permite-nos entrar em contacto e processar a zanga, a tristeza, o medo – todo um fluxo de emoções intensas e muitas vezes contraditórias; e contactar também com a nossa necessidade de suporte e (re)conexão connosco próprios, com os outros, e com o que é realmente importante na vida. E os processos de luto são importantes por isso mesmo, por nos proporcionarem um espaço e um tempo para processarmos todo o caos interior em que ficámos, acolhermos o apoio dos que nos rodeiam e empatizam com a nossa dor, e mobilizarmos os recursos necessários para as mudanças e adaptações que precisamos fazer. O luto é duro mas abre a porta à transformação e adaptação positiva. Que este luto nacional, e todos os nossos lutos, possam trazer mudanças importantes e sólidas.” Perder alguém que nos é importante é tão difícil, que tendemos a desvalorizar a importância do processo de luto, vendo-o muitas vezes como uma inevitabilidade que gostaríamos de dispensar. Vai muito ao encontro de uma tendência social geral para banir, abafar, pôr de parte o que é doloroso, procurando apenas contactar com o que traz satisfação e prazer. Esquecemos nesta hiper-desvalorização do doloroso, que ele tem uma função adaptativa, de processamento de uma perda, no caso do luto, e consequente favorecimento da adaptação e investimento numa nova realidade. Processar uma perda implica conectar com uma variedade de emoções associadas, entre a zanga, a tristeza, o medo,… e no processo de darmos algum sentido à experiência, passamos pelo choque, pela negação, pela revolta, pela apatia, pela aceitação, até chegarmos a um novo equilíbrio – é este processar da perda que permite a adaptação e investimento na nova realidade. Se não nos permitirmos este processar, a experiência de perda fica cristalizada dentro de nós, sem movimento, sem evolução, impedindo-nos de reformular e reinvestir na nossa vida. É também esta conexão connosco, com as nossas emoções, que nos permite reconhecer as nossas necessidades, e procurar o suporte de outros que nos possam ajudar a satisfazê-las, nomeadamente a necessidade de conforto, de ligação, de sentido. Neste processo de processamento da perda e reconexão connosco e com os que nos rodeiam, possibilitamos a mobilização dos recursos necessários para as mudanças e ajustes que sentimos necessidade ou queremos aproveitar para fazer. Porque ainda que o luto seja duro, também traz coisas importantes e positivas, ou pelo menos tem potencial para as trazer, se nos dermos a possibilidade de o viver. Entre algumas possibilidades de transformação positiva, podemos incluir, a título de exemplo, a reconexão ou reaproximação a pessoas de quem durante um tempo nos afastámos, ou o reconhecimento de competências e recursos que julgávamos não ter porque na presença do outro não sentimos necessidade de desenvolver, ou o investimento em projetos pessoais e/ou humanitários que foram ficando na gaveta e que agora sentimos novo ímpeto para retomar, ou a reformulação de valores, tornando-se mais claro o que é que realmente valorizamos na nossa vida. Neste sentido o meu apelo é para não se assustarem nem desvalorizarem o luto, e pelo contrário darem-se espaço para o viver e processar. Esta semana numa sessão surgiu a importância de escolhermos as nossas batalhas. Tendemos a achar que nos devíamos afirmar e defender em todas as situações, sem reconhecer os riscos desta postura. Quando luto em todas as frentes que se me deparam, disperso-me, desgasto-me, perco em eficácia, e frustro-me e desmoralizo com as demasiadas derrotas que vão inevitavelmente surgir. Por sua vez quando escolho as minhas batalhas, abrindo mão das que não são prioritárias, foco-me e invisto no meu objetivo, avalio melhor o que é necessário para ter sucesso e estabeleço a minha estratégia, torno-me mais eficaz, tenho menos derrotas a desmoralizar-me, venço mais, e aumento a minha auto-confiança e sentido de auto-eficácia. Por outro lado, muitas vezes a nossa necessidade de nos afirmarmos está assente numa necessidade de mudarmos o outro ou a sua perspetiva, e recriminamo-nos por não termos sido suficientemente firmes e eloquentes na nossa argumentação, acreditando que poderíamos mudar o outro (e vencer a nossa batalha) se o tivéssemos sido. Se é verdade que a segurança e eloquência de uma argumentação tem o potencial de tocar o outro e alterar a sua perspetiva ou a sua atitude, tendemos a desvalorizar o papel do recetor no sucesso desta demanda, e a realidade é que a nossa afirmação só toca o coração do outro se ele estiver disponível para ser tocado. O que isto implica é que a maior parte das batalhas que travamos caem em saco vazio ou escalam para uma luta de poder em que ambos os lados querem convencer o outro mas nenhum está disponível para ser convencido. No fim, gastámos uma quantidade imensa de energia numa demanda inútil e desmoralizadora. Na base deste fenómeno está a premissa bem conhecida dos psicólogos, que lutamos diariamente para incutir nos nossos pacientes (é a nossa batalha), de que não temos o poder de mudar os outros, apenas de nos mudarmos a nós próprios. Curiosamente, recentemente vi um vídeo da Esther Perel, uma terapeuta de casal, que vai um bocadinho além e diz qualquer coisa como – mudamos o outro mudando-nos a nós. E conciliando ambas as ideias – a maior parte das batalhas são infrutíferas, mudamos os outros mudando-nos a nós – tenho cada vez mais a sensação que tanto mais mudamos o outro quanto menos batalhamos para o mudar. Se eu mudar a minha postura combativa para uma postura mais aceitante do outro e/ou da minha incapacidade de o mudar, crio mais espaço, potencialmente, para o outro processar as suas coisas ao seu ritmo e direcionar os seus recursos para repensar a sua atitude mais do que se defender. Experimente, por exemplo, numa discussão em casal ou com um familiar ou um amigo, desculpar-se por aquilo em que magoou o outro, em vez de se queixar daquilo em que o outro o magoou. Vai notar que frequentemente o outro vai aceitar as suas desculpas e desculpar-se também por sua vez da dor que lhe causou a si. Já quando se leva a discussão como uma batalha, a tendência é ambos atacarem e nenhum se desculpar. Não se lance portanto impulsivamente a todas as lutas, faça escolhas, perceba que situações precisam que se afirme e lute, e quais beneficiam de baixar as armas e procurar acordos. No final saboreie os sucessos que estas escolhas lhe trarão. Para nos inscrevermos numa iniciativa de desenvolvimento pessoal, seja um grupo seja um workshop, queremos antes de mais perceber o que isso é.
Idealmente, enquanto alguém que quer lançar iniciativas deste género, eu deveria ser capaz de apresentar de forma sucinta e motivadora, em jeito de pitch, o que é que é isto de desenvolvimento pessoal e porque é que vale a pena. Mas quando tento, sai uma coisa complexa, muito pouco clara, que vai não vai deixa as pessoas mais assustadas do que motivadas. Há forças estranhas em jogo nesta minha dificuldade, imediatamente me surge que eu sou melhor a desenvolver ideias e elaborar sobre elas do que em resumi-las, mas depois percebo que não é bem verdade, já fui congratulada ao longo da vida pela minha capacidade de síntese e outras vezes criticada por esta mesma síntese. Pelo que talvez não seja por aqui. Depois surge-me a justificação de que desenvolvimento pessoal não se explica, experiencia-se. E se por um lado tendo a achar que é possível e até importante pôr palavras nas nossas experiências, faz-me imenso sentido ao mesmo tempo que desenvolvimento pessoal não se explique propriamente. Todas as minhas experiências de desenvolvimento pessoal foram vividas, e mesmo os momentos de reflexão e introspeção foram saboreados enquanto experiência, acompanhados de sensações no corpo que transformaram a coisa em muito mais do que um produto mental. É engraçado que esta ideia de sentir no corpo mais do que meramente pensar, que me é muito quentinha e motivadora, é o que assusta várias pessoas, talvez como se temessem ser engolidas pelo seu corpo, ou perderem o controlo, talvez seja mais por aqui. E aqui penso “não, mas eu nisto posso esclarecê-las e tranquilizá-las, já que eu própria tive imenso medo de perder o controlo ao juntar um corpo que sente e se expressa à minha hiper-investida cabeça”. É que isto de nos permitirmos sentir realmente assusta, tudo o que é novo e não familiar assusta. Mas também é verdade que quando reconhecemos que temos um corpo ligado à cabeça, ou melhor, que a própria cabeça faz parte de um corpo, o susto transforma-se em potencialidade. Viver com uma cabeça hiper-investida é como andar ao pé-coxinho para proteger uma segunda perna que em tempos se partiu. Algures no tempo foi preciso protegê-la para sarar, e temos medo de nos magoarmos e piorarmos se a voltarmos a usar, mas a certa altura vale a pena com jeitinho e gradualmente re-integrá-la como membro ativo do corpo, porque podemos viver eternamente ao pé-coxinho mas aumentamos muito os nossos graus de liberdade se possibilitarmos que as duas se articulem e damos suporte vitalizante à primeira perna, que sozinha se pesa e se desgasta muito mais. Corpo e cabeça é isto mesmo, o corpo assusta-nos porque sente muito as coisas, deixa-nos mais em contacto com a nossa vulnerabilidade, temos medo de nos magoar se o pusermos mais em acção; o que nos esquecemos de contemplar é que aproveitá-lo mais aumenta o leque de possibilidades no mundo e ajuda a cabeça a exercer melhor a sua função, é muito mais enriquecedor. É isto que se ganha com desenvolvimento pessoal, reconhecimento de todas as nossas partes e melhor uso de cada uma delas e da articulação entre todas. Já vai longo, eu sei, mas aos que ficaram suficientemente motivados para chegar aqui, deixem-me acrescentar que creio que a minha dificuldade em explicar desenvolvimento pessoal prende-se também com o facto de ser um processo, e não uma conquista estática, e muito idiossincrático, o ritmo e o que se desenvolve é diferente para cada um. Experiências de desenvolvimento pessoal abrem portas, cada um vive e descobre coisas diferentes em cada uma e explora as portas seguintes a partir da experiência com as anteriores. A troca e a partilha em grupo por sua vez abre mais portas e convida a mais possibilidades de as abrir e explorar. O factor grupo também tende a assustar mas novamente é a mesma ideia, o que começa por assustar acaba por facilitar. Portanto, o que é que é desenvolvimento pessoal? É auto-descoberta, reconhecimento de como funcionamos, o que são as nossas potencialidades e os nossos desafios. É experimentarmo-nos em contacto com os outros, perceber o que gostamos e não gostamos, o que nos é mais fácil e mais difícil. É olharmos e compreendermos o que é antigo em nós e disponibilizarmo-nos para experimentar o que pode ser novo ou vivido diferente. É para todos? Um lado meu gostava que fosse, há potencial enriquecedor e transformador para todos, mas nem todos nos identificamos com o mesmo registo, nem todos gostamos do mesmo tipo de experiências, ou nem todos estamos num período das nossas vidas em que faça sentido. Para os que se entusiasmam com este tipo de desafios, no fim vão encontrar muitas definições de desenvolvimento pessoal que vos vão fazer muito sentido e ser muito fáceis de compreender, depois de se darem a oportunidade de o viver. |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
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