Escrevi anteriormente sobre a felicidade e entretanto voltou a apetecer-me escrever sobre ela, ainda que continue a não saber o suficiente para o fazer.
E desta vez apeteceu-me reflectir sobre o que é que pode influenciar que umas pessoas pareçam ter mais facilidade em se sentirem tendencialmente felizes, e outras pareçam ter uma dificuldade tremenda em sentir mesmo pequenos momentos de felicidade. No texto anterior sobre este tema referi que viver feliz é viver com significado, com sentido, em coerência com as nossas emoções e as nossas necessidades; voltando a pensar no que é a felicidade e no que é que permite senti-la, acrescentaria duas coisas: Uma seria que sentir felicidade implica ser capaz de experienciar um leque variado de emoções. Esta capacidade dá-nos flexibilidade para nos adaptarmos a situações de vida diversificadas sem nos sentirmos desadequados ou incapazes de reagir, e portanto conseguirmos ver os obstáculos mais como desafios do que como catástrofes. Outra seria que sentir felicidade implica ser capaz de tolerar as próprias limitações, as próprias fragilidades. Esta capacidade permite-nos ver os desafios e as dificuldades como oportunidades de crescimento, algo que ainda posso trabalhar para conseguir, e não algo que me define como um falhado, sem as características necessárias para vingar na vida e "ser feliz". A “felicidade” é quase uma profecia auto-confirmatória, é feliz quem acredita que pode e merece sê-lo, que sabe pôr as limitações e os maus momentos em perspectiva, não se deixa definir por eles. Claro que estas duas capacidades são muito influenciadas pelas nossas experiências de vida. Quem teve cuidadores que souberam lidar com as dificuldades da criança e que souberam estar presentes e dar significado às emoções que ela ia experienciando e expressando, tem a “tarefa” de se sentir feliz mais facilitada; os que pelo contrário tenderam a ficar sozinhos com as suas emoções e a ser depreciados pelas suas falhas ou, pelo contrário, impedidos de falhar, têm naturalmente mais dificuldade em tolerar as suas limitações e em experienciar e dar significado às suas emoções, o que dificulta o conseguir sentir-se feliz, mesmo em situações que os primeiros, mais afortunados, tenderiam a sentir como momentos de felicidade. Ainda que as nossas experiências de vida moldem muito a forma como vivemos, como nos relacionamos com os outros e connosco próprios, elas não têm que ser determinísticas; se teve uma infância mais difícil, de privação emocional, de negligência, de abandono, terá mais dificuldade em ultrapassar este legado de negatividade e fatalismo, será mais duro e possivelmente demorado sentir-se “feliz”, mas é possível, não desista de desenvolver a capacidade de experienciar um leque variado de emoções nem de tolerar as suas limitações, não desista de si.
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Passados o Outono e o Inverno, chegamos à Primavera, estação da renovação.
Recorda-se da libertação do velho no Outono e da introspecção no Inverno? Pois está na hora de voltar a olhar para fora, trazer para fora o que está aí dentro, esta é a estação. O sol e a brisa agradável puxam-nos para sair, voltarmo-nos para o exterior e inspirarmo-nos nas árvores e nas plantas para também nós renascermos e florescermos. Está na hora de servir à mesa o que cozinhou no Inverno, cuidar das suas necessidades, concretizar os seus projectos. Ao contrário do Inverno, estação de questões e reflexões, esta é uma estação de acções e de afirmações. Já deve ter reparado que o meu tom neste texto é também mais afirmativo, mais directivo. Nesta estação, pegue em si próprio e saia para a rua, feche os olhos e sorria a sentir a brisa na face e o calor do sol na pele, abra os braços e espreguice-se, arregace as mangas e ponha cá para fora o que até agora manteve apenas dentro.
E não se esqueça, cuide de si, renove-se, esta é a estação. Nós somos o que fazemos do que quiseram fazer de nós Adaptado de Jean-Paul Sartre Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou?... é uma sequência de questões que apela para a continuação de uma identidade ao longo do tempo – um presente impelido por um passado e a caminhar para um futuro.
E de facto nós somos muito fruto das nossas histórias e vivemos muito também em função dos nossos projectos, pelo que o passado e o futuro tendem a estar connosco no presente. O que acontece é que muitas vezes a nossa história condiciona a nossa capacidade de no presente nos mobilizarmos para a concretização dos nossos projectos de futuro, e damos por nós numa posição de termos que escolher continuar os legados do passado ou investir nos projectos para o futuro. A escolha não é fácil, geralmente o desejo é investir no futuro, investir em nós, nos nossos projectos, mas a pressão, exterior e interior, é para continuar os legados do passado. Queremos diferenciar-nos e seguir os nossos passos, mas temos medo de perder a aceitação e o amor das figuras do passado que nos acompanham no presente, ainda que não nos identifiquemos com o que elas parecem desejar para nós. Ainda que duro, nós somos de facto o que fazemos do que quiseram fazer de nós; ainda que difícil, a escolha do passado ou do futuro, dos que nos antecederam ou de nós próprios, dos nossos projectos, é sempre nossa. E ainda que a escolha do passado seja sempre uma possibilidade, deixo-vos o Cântico Negro de José Régio que tão bem nos diz “Não vou por aí!” "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: "vem por aqui!" Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... A minha glória é esta: Criar desumanidades! Não acompanhar ninguém. — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade Com que rasguei o ventre à minha mãe Não, não vou por aí! Só vou por onde Me levam meus próprios passos... Se ao que busco saber nenhum de vós responde Por que me repetis: "vem por aqui!"? Prefiro escorregar nos becos lamacentos, Redemoinhar aos ventos, Como farrapos, arrastar os pés sangrentos, A ir por aí... Se vim ao mundo, foi Só para desflorar florestas virgens, E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada. Como, pois, sereis vós Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem Para eu derrubar os meus obstáculos?... Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós, E vós amais o que é fácil! Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Ide! Tendes estradas, Tendes jardins, tendes canteiros, Tendes pátria, tendes tetos, E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios... Eu tenho a minha Loucura! Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura, E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios... Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém! Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu, que nunca principio nem acabo, Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. Ah, que ninguém me dê piedosas intenções, Ninguém me peça definições! Ninguém me diga: "vem por aqui"! A minha vida é um vendaval que se soltou, É uma onda que se alevantou, É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou Sei que não vou por aí! Ainda que por vezes esquecido ou ridicularizado, o simbolismo original do dia internacional da mulher é muito rico, não só para as mulheres; e vale a pena ser relembrado, talvez até particularmente numa fase em que mesmo na nossa realidade ocidental, supostamente mais protegida, muitos dos nossos direitos enquanto trabalhadores, e algumas vezes enquanto pessoas, são desrespeitados e colocados em risco.
Que este marco da luta das mulheres por melhores condições de vida e de trabalho, nos relembre, mulheres e homens, que não temos que nos resignar às condições existentes e nos inspire a reconhecer as nossas necessidades vitais e a lutar para que sejam respeitadas e satisfeitas dentro dos limites do respeito pelas necessidades e direitos dos outros. Que este seja um dia para pensarmos em nós, enquanto indivíduos e enquanto humanidade, que seja um dia para recuperarmos precisamente a nossa humanidade, caso ela tenha ficado perdida ou desvanecida pelo caminho, que seja um dia para ponderar sobre “o que é que queremos e merecemos lutar?”. E ainda que o caminho seja árduo e a evolução lenta, a luta destas mulheres do passado e das mulheres do presente em vários pontos do mundo, grita-nos que “vale a pena”. Sobre as nossas várias partes, os eus que coabitam dentro de nós, que de alguma formas nos fragmentam mas cuja combinação também nos define, nos une no Eu que somos, e sobre as nossas necessidades que em momentos diferentes vão beber a fontes diferentes, nada melhor que o poema Metade de Oswaldo Montenegro.
Deixo-vos com ele. Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio Que a morte de tudo em que acredito Não me tape os ouvidos e a boca Porque metade de mim é o que eu grito Mas a outra metade é silêncio. Que a música que ouço ao longe Seja linda ainda que triste Que a mulher que eu amo seja para sempre amada Mesmo que distante Porque metade de mim é partida Mas a outra metade é saudade. Que as palavras que eu falo Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor Apenas respeitadas Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos Porque metade de mim é o que ouço Mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora Se transforme na calma e na paz que eu mereço Que essa tensão que me corrói por dentro Seja um dia recompensada Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão. Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflicta em meu rosto um doce sorriso Que eu me lembro ter dado na infância Por que metade de mim é a lembrança do que fui A outra metade eu não sei. Que não seja preciso mais do que uma simples alegria Para me fazer aquietar o espírito E que o teu silêncio me fale cada vez mais Porque metade de mim é abrigo Mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta Mesmo que ela não saiba E que ninguém a tente complicar Porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer Porque metade de mim é plateia E a outra metade é canção. E que a minha loucura seja perdoada Porque metade de mim é amor E a outra metade também. _ Há quem renegue o dia dos namorados, o veja como um peso, como algo artificial e consumista. Eu tenho uma visão mais positiva deste dia, não que seja obrigatório comemorá-lo mas parece-me importante que ele exista.
Mais do que um dia para trocar presentes e promessas de amor, gosto de pensar nele como um dia para relembrar o amor, para parar um bocadinho e pensar nas nossas relações, como é que elas estão, se estão a precisar ser alimentadas, o que é que tem sido bom e quer-se continuar a investir, o que é que tem sido menos bom e precisa de uma mudança, que mudança seria essa, como é que poderia ser potenciada… De alguma forma é um dia para pensar no “nós”, para relembrar que é importante investir no “nós”, ainda que não descurando o “eu” de cada um, que também precisa ir sendo alimentado e respeitado dentro das relações. Mas há de facto fases na vida das relações em que o “nós” fica mais esquecido, mais desinvestido, e é importante realimentá-lo. Não esqueça também que, mais do que pensadas, as relações devem ser vividas, portanto não se limite a pensar na sua relação e a resignar-se a algo insatisfatório quando lhe vê problemas, perceba o que é que a relação está a precisar e invista de facto nas mudanças que se mostram necessárias. Pode começar logo a investir fazendo-a a dois, mobilizando-se os dois para refletir sobre a relação e potenciar as mudanças desejadas. Se a sua relação está bem e já tem o hábito de investir nela e realimentá-la quando ela se mostra desnutrida, então aproveite para o repetir mais um dia, para repetir aquilo que já faz tão bem. Não sei se já se apercebeu das potencialidades simbólicas do Carnaval. De repente podemos experimentar uma nova personagem, uma nova máscara, experimentarmo-nos num papel diferente, e isso pode ser muito rico.
Mas comecemos por pensar um bocadinho nas nossas “máscaras” habituais. Não se assuste com o termo, estou a usá-lo no sentido das nossas facetas, as formas como em contextos diferentes, com estados de humor diferentes, nos vamos apresentando ao mundo, em jeito de máscaras que vamos pondo e trocando. Posso pedir-lhe para pensar um bocadinho nas suas diferentes “máscaras”, nas suas diferentes facetas, os seus diferentes papéis?... Respire, olhe para dentro, e procure reconhecer os seus vários lados: Como é que sou eu quando estou sozinho comigo próprio?... Como é que sou eu quando estou com os meus filhos… com os meus pais… com o meu companheiro ou companheira… com os meus amigos?... Como é que sou eu quando o dia me corre mal?... Como é que sou eu quando o dia me corre bem?... Como é que sou eu triste?... Como é que sou eu zangado?... Como é que sou eu com medo?... Como é que sou eu bem?... Depois em jeito de Carnaval sugiro-lhe, à escolha, uma de duas coisas: A primeira: escolha uma das suas “máscaras” habituais e use-a intensamente este Carnaval, a senti-la verdadeiramente, perceber como é que ela mexe consigo, como é que está com os outros quando com ela, como é que os outros lhe reagem… E aqui, porque explorarmos as nossas facetas mais complicadas sozinhos pode ser desorganizador, sugiro que escolha uma máscara com a qual se sinta bem, mesmo que seja uma das que usa menos, quem sabe não se apessoa dela e ela se torna mais frequente. A segunda: Deixe as suas “máscaras” de lado por um dia e experimente-se num papel completamente diferente, e novamente aperceba-se como é que é ser eu não sendo bem eu mas sendo este?... Como é que é ser este?... Como é que eu estou com os outros enquanto este?... Como é que os outros estão comigo?... No fim faça um balanço: o que é que eu quero manter desta máscara?... O que é que eu quero ajustar nesta máscara?... Como é que eu a quero viver?... Enfim. Coisas giras podem surgir no Carnaval, divirta-se! Nos diferentes papéis que ocupamos na vida, há geralmente um de cuidador, quer seja profissionalmente, porque temos profissões direccionadas para o cuidado do outro, quer no seio familiar, porque cuidamos dos nossos filhos e/ou dos nossos pais ou de algum familiar doente, quer no seio social, quando somos o ombro amigo dos nossos amigos em sofrimento.
Porque no papel de cuidador tendemos muitas vezes a esquecer-nos de nós próprios, e porque, apesar disso, tanto o senso comum como todos os estudos no tema indicam o imperativo de cuidarmos de nós para podermos cuidar do outro saudável e adequadamente, deixo-vos uma lista de cuidados a ter connosco próprios que, segundo Norcross e Guy no livro Leaving it at the office : A guide to psychotherapist self-care, é importante que reconheçamos e que apliquemos:
Diz o ditado “Ano novo, vida nova”, mas nem sempre é tão fácil assim.
No seguimento do texto Sobre o Outono, estação da libertação, proponho reflectir sobre o Inverno e o início do ano, como estação de introspecção. Estação em que o frio de fora pede o quentinho de dentro, apela-nos a olhar para dentro, e se calhar a vida nova que o ano novo preconiza, não é ainda, nesta fase, exterior, mas é essencialmente interior, quando se cozinham mudanças à lareira para servir à mesa na Primavera. Sugiro então que, desprovido do velho de que se libertou no Outono, aproveite este Inverno para arrumar a sua casa interior e perceber o que é que quer renovar na Primavera: Quais são os meus sonhos? Quais são os meus projectos? Quais são as minhas necessidades psicológicos por satisfazer que não quero mais adiar? Quais são as áreas que quero/preciso trabalhar? Que competências quero mobilizar-me para desenvolver? Como é que quero estar comigo próprio? De que pessoas me quero rodear? Como é que quero estar nas minhas relações? O que é que quero manter e o que é que quero mudar? E não se apresse nem se critique pelas mudanças que ainda não concretizou, inspire-se na dinâmica das estações do ano e dê tempo ao tempo, já é um passo gigante aproveitar o Inverno para olhar para dentro, pode deixar a concretização no exterior para a Primavera. Natal é tempo de aconchego, de quentinho, de dar e receber, de carinho.
E o Natal nem sempre é fácil, tanto pode puxar pela alegria, pelo sentimento de pertença, como pode avivar a solidão, a nostalgia, a desesperança. De um ponto de vista bíblico, Natal é quadra de nascimento, de esperança, de início de um ciclo, e segundo o calendário é quadra de fechamento, fim de ano, fim de um ciclo. Como tantas outras coisas na vida, o Natal fica aqui neste ínterim e deixa-nos muitas vezes também a nós aqui. Espero contudo que o seu Natal seja mais aconchegante que solitário, mais alegre que nostálgico, mais esperançoso que derrotista. Que possa aproveitar o bom que o Natal lhe pode dar e possa dar também o seu sorriso e o seu abraço a quem for importante para si neste Natal. Feliz Natal! |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
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