Não sei se já se apercebeu das potencialidades simbólicas do Carnaval. De repente podemos experimentar uma nova personagem, uma nova máscara, experimentarmo-nos num papel diferente, e isso pode ser muito rico.
Mas comecemos por pensar um bocadinho nas nossas “máscaras” habituais. Não se assuste com o termo, estou a usá-lo no sentido das nossas facetas, as formas como em contextos diferentes, com estados de humor diferentes, nos vamos apresentando ao mundo, em jeito de máscaras que vamos pondo e trocando. Posso pedir-lhe para pensar um bocadinho nas suas diferentes “máscaras”, nas suas diferentes facetas, os seus diferentes papéis?... Respire, olhe para dentro, e procure reconhecer os seus vários lados: Como é que sou eu quando estou sozinho comigo próprio?... Como é que sou eu quando estou com os meus filhos… com os meus pais… com o meu companheiro ou companheira… com os meus amigos?... Como é que sou eu quando o dia me corre mal?... Como é que sou eu quando o dia me corre bem?... Como é que sou eu triste?... Como é que sou eu zangado?... Como é que sou eu com medo?... Como é que sou eu bem?... Depois em jeito de Carnaval sugiro-lhe, à escolha, uma de duas coisas: A primeira: escolha uma das suas “máscaras” habituais e use-a intensamente este Carnaval, a senti-la verdadeiramente, perceber como é que ela mexe consigo, como é que está com os outros quando com ela, como é que os outros lhe reagem… E aqui, porque explorarmos as nossas facetas mais complicadas sozinhos pode ser desorganizador, sugiro que escolha uma máscara com a qual se sinta bem, mesmo que seja uma das que usa menos, quem sabe não se apessoa dela e ela se torna mais frequente. A segunda: Deixe as suas “máscaras” de lado por um dia e experimente-se num papel completamente diferente, e novamente aperceba-se como é que é ser eu não sendo bem eu mas sendo este?... Como é que é ser este?... Como é que eu estou com os outros enquanto este?... Como é que os outros estão comigo?... No fim faça um balanço: o que é que eu quero manter desta máscara?... O que é que eu quero ajustar nesta máscara?... Como é que eu a quero viver?... Enfim. Coisas giras podem surgir no Carnaval, divirta-se!
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Nos diferentes papéis que ocupamos na vida, há geralmente um de cuidador, quer seja profissionalmente, porque temos profissões direccionadas para o cuidado do outro, quer no seio familiar, porque cuidamos dos nossos filhos e/ou dos nossos pais ou de algum familiar doente, quer no seio social, quando somos o ombro amigo dos nossos amigos em sofrimento.
Porque no papel de cuidador tendemos muitas vezes a esquecer-nos de nós próprios, e porque, apesar disso, tanto o senso comum como todos os estudos no tema indicam o imperativo de cuidarmos de nós para podermos cuidar do outro saudável e adequadamente, deixo-vos uma lista de cuidados a ter connosco próprios que, segundo Norcross e Guy no livro Leaving it at the office : A guide to psychotherapist self-care, é importante que reconheçamos e que apliquemos:
Diz o ditado “Ano novo, vida nova”, mas nem sempre é tão fácil assim.
No seguimento do texto Sobre o Outono, estação da libertação, proponho reflectir sobre o Inverno e o início do ano, como estação de introspecção. Estação em que o frio de fora pede o quentinho de dentro, apela-nos a olhar para dentro, e se calhar a vida nova que o ano novo preconiza, não é ainda, nesta fase, exterior, mas é essencialmente interior, quando se cozinham mudanças à lareira para servir à mesa na Primavera. Sugiro então que, desprovido do velho de que se libertou no Outono, aproveite este Inverno para arrumar a sua casa interior e perceber o que é que quer renovar na Primavera: Quais são os meus sonhos? Quais são os meus projectos? Quais são as minhas necessidades psicológicos por satisfazer que não quero mais adiar? Quais são as áreas que quero/preciso trabalhar? Que competências quero mobilizar-me para desenvolver? Como é que quero estar comigo próprio? De que pessoas me quero rodear? Como é que quero estar nas minhas relações? O que é que quero manter e o que é que quero mudar? E não se apresse nem se critique pelas mudanças que ainda não concretizou, inspire-se na dinâmica das estações do ano e dê tempo ao tempo, já é um passo gigante aproveitar o Inverno para olhar para dentro, pode deixar a concretização no exterior para a Primavera. Natal é tempo de aconchego, de quentinho, de dar e receber, de carinho.
E o Natal nem sempre é fácil, tanto pode puxar pela alegria, pelo sentimento de pertença, como pode avivar a solidão, a nostalgia, a desesperança. De um ponto de vista bíblico, Natal é quadra de nascimento, de esperança, de início de um ciclo, e segundo o calendário é quadra de fechamento, fim de ano, fim de um ciclo. Como tantas outras coisas na vida, o Natal fica aqui neste ínterim e deixa-nos muitas vezes também a nós aqui. Espero contudo que o seu Natal seja mais aconchegante que solitário, mais alegre que nostálgico, mais esperançoso que derrotista. Que possa aproveitar o bom que o Natal lhe pode dar e possa dar também o seu sorriso e o seu abraço a quem for importante para si neste Natal. Feliz Natal! Estão três pessoas a pôr tijolos e passa um homem que pergunta a cada uma “o que é que está a fazer?”. A primeira responde “estou a assentar tijolo”, a segunda responde “estou a montar uma parede”, a terceira responde “estou a construir uma catedral”. Quando olha para a sua vida o que é que vê? No que é que está a investir?
Facilmente caímos no erro de achar que a vida é o que é e que não temos qualquer poder sobre ela, mas será de facto assim? Na história inicial, três pessoas, de um ponto de vista externo, partilham a mesma realidade, estão a pôr tijolos, mas de um ponto de vista interno, cada uma tem diferentes perspectivas do que está a fazer, dá um significado diferente ao seu trabalho, o que sugere uma postura diferente perante a vida. A primeira parece olhar o mundo de um ângulo muito estreito, focada na tarefa mas com pouca visão da imagem maior, do objectivo, do propósito. Há momentos em que este modo é importante, focarmo-nos no aqui e agora, sem passado nem futuro, a estar simplesmente; mas é arriscado estarmos sempre aqui; perdendo o objectivo maior, a visão macro, corremos o risco de desmotivar, perder o rumo, perder o sentido da vida. A segunda já parece ter aumentado um bocadinho o ângulo, já tem esta perspectiva maior, já há um propósito, um objectivo; a esta o que parece faltar é a visão mais sonhadora, mais idealista; há uma ideia dos objectivos intermédios mas faltam os objectivos maiores, os projectos de vida. A terceira parece ter o ângulo mais abrangente; há um projecto de vida no qual está a investir, para o qual está a trabalhar. Há também um potencial risco nesta postura; se ficarmos só pelo objectivo último, sem investir nas capacidades e ferramentas que precisamos para o alcançar, corremos o risco de nunca o realizar. Não parece contudo ser o caso aqui, há um sonho mas há também o pô-lo em prática e começar a construí-lo do princípio. Clarificadas estas três formas de estar e olhar para a vida, urge questionar: Primeiro, onde é que eu me coloco? E segundo, o que é que eu quero fazer da minha vida? Quero assentar tijolo, montar uma parede ou construir uma catedral? No sentido de se conhecer melhor, por um lado, e se potenciar, por outro, venho sugerir-lhe o seguinte exercício: Desenhe um quadrado No canto inferior esquerdo coloque a sua melhor qualidade E no canto inferior direito o oposto dessa qualidade. Agora por cima da qualidade, no canto superior esquerdo, coloque o que é que pode ser negativo nesta qualidade se a exagerarmos E por cima do oposto, no canto superior direito, o que é que pode ser positivo neste oposto se o usarmos com moderação. Por fim pergunte-se: Onde é que eu me situo no contínuo positivo e negativo da minha qualidade? E se der por si a pender mais para o negativo, a dar mau uso à sua qualidade, inspire-se no positivo do oposto, equilibre a sua qualidade com as características positivas do oposto dela. Se a Primavera é a estação da renovação, o Outono é a estação da libertação, a partir da qual a renovação é possível.
No Outono as árvores despem-se das suas roupas antigas, deixam de alimentar as folhas que trazem da Primavera e do Verão, que amarelecem e morrem, e deixam-nas cair por terra, libertam-se do antigo, do que já não lhes serve, do que já pesa. Também no nosso corpo se dão estas mudanças, já reparou que é no Outono que perdemos mais cabelo? De um ponto de vista psicológico, este libertar do antigo é por vezes doloroso, até percebemos que ele já não nos serve e nos pesa, mas é nosso, é o que conhecemos e é difícil expormo-nos à “nudez” do Inverno, e à incerteza e ao desconhecido do que colocaremos no lugar na Primavera. Muitas vezes no Outono damos por nós com um humor mais deprimido, em processo de luto daquilo que já não nos serve mas custa desprender. O Outono abre caminho à introspecção do Inverno a partir da qual tomamos decisões mais fundamentadas e mais adequadas às nossas necessidades sobre como nos queremos renovar na Primavera. É assustador “despirmo-nos” no Outono e olharmos verdadeiramente para dentro de nós no Inverno, para a nossa essência, mas apesar de difícil, este processo de libertação do antigo é essencial, porque é neste desprender e libertar que abrimos espaço para o novo que a Primavera virá preencher. Este Outono, aproveite para reflectir “do que é que quero e/ou preciso libertar-me?”, “o que é que eu quero e/ou preciso deixar para trás?”, “o que é que pesa, o que é que já não serve?”… E dê-se este espaço para o deixar cair, dê-se espaço também para a tristeza que poderá sentir ao deixá-lo para trás. Ciente que a tristeza não fica para sempre, o que fica é espaço para o novo que a Primavera poderá trazer. Amamo-nos muito mas não funciona, não nos conseguimos entender! As relações íntimas de casal são uma área particularmente importante das nossas vidas, mas apesar de as desejarmos muito e de tendermos a sentir-nos incompletos, não totalmente realizados, sem elas, a realidade é que gerir a relação não é fácil e mesmo havendo amor, nem sempre a relação flui, às vezes parece não funcionar. O que é que acontece? Apesar de numa relação termos à partida um objectivo comum, alimentar a relação, mantê-la viva e saudável, não deixa de ser verdade que temos duas pessoas na equação, muitas vezes com registos de funcionamento diferentes, cujo contraste pode criar choque e este choque prolongado no tempo cria padrões de interacção desadequados com uma escalada de frustração, agressividade e/ou afastamento. Quando dentro destes ciclos desadequados de interacção, as dificuldades são duas:
No sentido de tentar quebrar estes ciclos e de tanto aceder como expressar emoções e necessidades em casal, sugiro o seguinte exercício[1]: Numa folha de papel desenhe uma tabela como a seguinte: E comece a preencher.
Como? Deixo um exemplo: Quando tu chegas tarde (situação), eu sinto-me zangada (reacção emocional) e reajo criticando-te (reacção comportamental). Isto esconde a minha ansiedade e sentimento de rejeição (emoção de base). O que eu preciso realmente é sentir que sou importante para ti (necessidade geral), e portanto preciso que tu me ligues a avisar que vais chegar mais tarde (necessidade específica). Desta forma, a nossa activação emocional tende a baixar e a receptividade do outro à nossa necessidade tende a aumentar. É como se encontrássemos aqui um ponto de equilíbrio em que conseguimos comunicar um com outro, cria-se um espaço para ouvir e ser ouvido. [1] do livro Emotion-focused couples therapy: The dynamics of emotion, love, and power de Greenberg e Goldman (2008) Mais importante do que aquilo que tem é aquilo que é António Branco Vasco Habitualmente, num registo médico mais tradicional, quando temos um problema de saúde procuramos um diagnóstico que nos ajude a identificar o problema e nos oriente para o tratamento adequado. O problema, apesar de afectar o paciente, é visto como exterior a ele e o tratamento é dirigido ao problema e não à pessoa.
Num registo psicológico as coisas são um bocadinho diferentes, não deixa de fazer sentido procurar “diagnósticos”, mas são tendencialmente diferentes dos a que estamos habituados num registo médico; num registo psicológico muitas vezes parte do problema está relacionado com a nossa forma de ser e estar na vida, estamos portanto muito mais implicados nele, não é simplesmente algo exterior a nós do qual facilmente e recorrendo a meios exteriores nos possamos livrar, e consequentemente a intervenção é dirigida menos ao problema mais visível (os sintomas) e mais à pessoa que o manifesta. Enquanto muitas vezes num registo médico a ênfase é dada à identificação dos sintomas e o tratamento é a eles dirigido, apesar de progressivamente se contemplarem hábitos e estilos de vida do paciente, num registo psicológico, mais importante do que o sintoma que a pessoa tem é aquilo que a pessoa é, ou seja, o sintoma não é o problema mas o reflexo do problema e é na pessoa em si que podemos identificar tanto o problema como a solução. Num diagnóstico psicológico, além da identificação dos sintomas, entram então factores como o modo de funcionamento da pessoa, a sua história de vida e de desenvolvimento com realce para memórias marcantes ou por intensidade ou por frequência, e situações presentes que possam ter despoletado o problema ou tê-lo intensificado. Habituados que estamos ao registo médico mais tradicional, é frequentemente difícil sair dele e, por um lado, reconhecer a necessidade de identificar e trabalhar os factores psicológicos que estão a intervir na manifestação do problema e, por outro, reconhecer progressos, que muitas vezes começam a surgir antes do sintoma que o trouxe a terapia desaparecer. Dada a preponderância da pessoa sobre o sintoma, o trabalho psicoterapêutico passa muito por reconhecer de que forma é que a maneira como vivo a minha vida, fruto do que a minha história incutiu ou determinou, e influenciada pelas minhas circunstâncias actuais de vida, contribuiu para o surgimento ou exacerbação da sintomatologia. Esta consciência permite progressivamente abrir mão de velhos hábitos, questionar “heranças psicológicas” que nos foram incutidas como necessárias mas que nos apercebemos que no presente de nada nos servem e contribuem mais para o problema do que para a solução, e reconhecer necessidades fundamentais que precisamos procurar satisfazer para nos sentirmos bem connosco e com a nossa vida. Pode parecer estranho, mas são estas conquistas que permitem de facto que no final da linha os sintomas que apresentávamos já não tenham problemas para sinalizar e que gradualmente, quase sem nos darmos conta, deixem de estar presentes ou ter um impacto tão forte nas nossas vidas. No que a problemas de foro psicológico diz respeito, não procure a solução no sintoma, procure-a em si. Cuide de si! Go to the heart of danger for there you will find safety [Vai ao coração/âmago do perigo, lá encontrarás segurança] Provérbio Chinês A experiência de desenvolver um problema psicológico como ataques de pânico, ansiedade generalizada, depressão,… é frequentemente avassaladora. Por um lado há a sensação de perda de controlo de si, por outro lado os sintomas parecem ser desprovidos de sentido e há uma incompreensão muito grande de si próprio, e muitas vezes vem a vergonha e a culpa, vergonha da vulnerabilidade que os sintomas revelam e culpa por não ter sido capaz de evitar estas manifestações e por continuar sem as perceber.
Se prolongado no tempo, especialmente para problemas do foro da ansiedade, além da exacerbação dos sintomas iniciais, tendem a surgir novos, mais obsessivos e compulsivos, mais distantes da raiz do problema, e a incompreensão de si próprio é cada vez maior. Muitas vezes não há de facto um sentido directo e claro para a sintomatologia, o que ela faz é sinalizar uma vulnerabilidade, como um despertador com alarme em crescendo, que se não é desligado ao início vai tocando com um volume cada vez mais alto até ser ouvido e atendido. A mensagem dos sintomas é “go to the heart of danger, [vai ao âmago do perigo], não fujas, olha, procura, percebe; para te libertares”. O despertador/sintoma é só um sinalizador que vai tocando mais forte à medida que a insegurança aumenta, que o medo aumenta, sempre a pedir “não fujas, olha, fica”. Tomarmos consciência das nossas vulnerabilidades, dos pontos em que somos particularmente sensíveis, assusta, mexe com o nosso medo do descontrolo, da falta de poder sobre nós próprios, sem percebermos que tanto menos poder temos quanto mais ignoramos/negamos as nossas vulnerabilidades; quanto mais eu as conheço, compreendo e aceito, mais controlo tenho na realidade, porque mais sei com o que posso contar e posso mobilizar recursos para reparar ou apaziguar o problema de base, a essência. Este é o trabalho que procuramos fazer em psicoterapia, traduzir sintomas (sinais, despertadores) em vulnerabilidades, em necessidades por satisfazer, em assuntos inacabados a processar e resolver, porque por doloroso que seja tomar consciência de aspectos sensíveis de nós, da nossa história, e percebermos as implicações que eles têm na nossa vida, no nosso funcionamento, é um trabalho fulcral, é o desligar o despertador e levantar da cama, é o retomar as rédeas, o controlo, é mobilizar para resolver. |
Autora
Joana Fojo Ferreira Acompanhe as atualizações nas redes sociais
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